Marcos Decliê
Quais são suas intenções com nossas crianças, Dona Civilização?
Postado por
Marcos Decliê
às
quinta-feira, setembro 08, 2011
O que pretende a humanidade com esta febre desenfreada de vestir as
criancinhas como adultos? O que pensa que está fazendo a civilização
com a cabeça dos pequenos? Vampiros da infância, os adultos vem
deformando os guris e produzindo neles em larga escala, violentos e
frios seres. Ora, tenho visto coisas de arrepiar! Outro dia, no
aeroporto, vi uma menina de 5 anos aprisionada numa calça jeans tão
justa que mal a deixava caminhar; o salto da sandalhinha, para
completar, gerava uma espécie de equilíbrio corcunda na base da coluna;
cabelos de escova, maquiagem, e não era brincadeira. No banheiro, depois
de observar sua difícil caminhada pelo saguão eu a reencontrei com
dificuldades para desabotoar a referida atarracada calça . Com cuidado,
olhei para mãe que curiosamente usava o mesmo modelito e indaguei: Me
perdoe, mas não está muito apertada essa roupinha nela? – “Ah, mas é
assim mesmo, é mulher e tem que saber logo que beleza é sacrifício.”
Retruquei na hora: mas é uma criança! Nos despedimos .Deixei o toilete
com aquelas palavras me ferindo o coração. Por que meu Deus, empurrar as
crianças nestes abismos? Já é tão difícil lidar com a vaidade até
quando a gente já sabe quem a gente é, que dirá sem saber, e depois, que
história é essa de beleza e sacrifício? Esse ideal de eterna juventude
me enche e é um crime que a este custo nos sintamos no direito de
envelhecer as crianças. Tem roupa de infância com palhacinhos,
florzinhas, barquinhos, aviõezinhos, elefantinhos, joaninhas, etc..
Então, por que amordaçar os pequenos com miniaturas de nossos uniformes
de adultos, cheias de grifes e aparências?
Vi uma foto da filha de uma atriz hollywoodiana numa dessas revistas
de celebridades: “Amanda Schubert esbanjando charme no seu modelo de
inverno”, dizia a legenda para se referir a uma menina de 5 anos! Como
assim? Cuidado! Isso pode realizar fantasias dos pedófilos! Sem contar
criança cujo guarda roupa só tem cinza, preto e bege, para aprender a
ter “bom gosto” desde sempre. Bem, quando então será a época de usarmos o
coloridinho descombinado? Se não na infância, onde a liberdade de
agirmos de acordo com nossa natureza e sentimento? Estou preocupada. Lá
na Casa Poema e nas oficinas que dou pelo país, conheço vários adultos
vítimas de uma Escola que não prioriza a espontaneidade, a criatividade,
a originalidade, e a arte da vida. Porque foram tolhidos em sua
sensibilidade, tiveram à força seus choros engolidos, porque não foram
considerados quando viram, sentiram ou assistiram a guerra dos adultos,
que muitas vezes tem seus pais como protagonistas. É gente grande que
não sabe ler em voz alta, que não sabe receber uma crítica, e que não
sabe sair bem e de improviso daquilo que escapa à seu mapa de
seguridade. A situação é grave. Junta-se ao quadro atual a quantidade
enorme de jogos violentos, sangrentos, agressivos que vem fazendo a
cabeça dos futuros cidadãos do mundo a todo momento. Soma-se a isso uma
insana corrida do ouro que faz do dinheiro um culto, uma igreja, um
Deus. Ai, ai, ai, deu nisso! Já tentamos esse modelo de adultizar as
crianças nos séculos que nos antecederam e não deu certo. Reis com
trono, cetro e reino aos seis anos; príncipes, enfiados em seus
pequenos ternos de corte inglês, sendo adolescentes e poderosos ao mesmo
tempo.
Precisamos mudar a rota e o método, pois talvez a loucura de hoje
seja fruto daquelas crianças que cresceram. Talvez sejamos herdeiros
daquelas crianças violadas nos seus direitos de sê-lo. Sei lá, estou
tentando entender como tudo resultou nessa civilização comandada por
arrogantes idiotas e tiranos ricos que pensam que são os donos do mundo,
com sua receita única de felicidade, repleta de carros sem vagas nos
estacionamentos e um Frontal por cima da insônia para aguentar.
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